Sinopse:
Aqueles que consideram “bruxa” um xingamento não poderiam estar mais enganados: bruxas são mulheres capazes de incendiar o mundo ao seu redor. Resgatando essa imagem ancestral da figura feminina naturalmente poderosa, independente e, agora, indestrutível, Amanda Lovelace aprofunda a combinação de contundência e lirismo que arrebatou leitores e marcou sua obra de estreia, “A princesa salva a si mesma neste livro”, cujos poemas se dedicavam principalmente a temas como relacionamentos abusivos, crescimento pessoal e autoestima. Agora, em “A bruxa não vai para a fogueira neste livro”, ela conclama a união das mulheres contra as mais variadas formas de violência e opressão. Ao lado de Rupi Kaur, de “Outros jeitos de usar a boca” e “O que o sol faz com as flores”, Amanda é hoje um dos grandes nomes da nova poesia que surgiu nas redes sociais e, com linguagem direta e temática contemporânea, ganhou as ruas. Seu “A bruxa não vai para a fogueira neste livro” é mais do que uma obra escrita por uma mulher, sobre mulheres e para mulheres: trata-se de uma mensagem de ser humano para ser humano – um tijolo na construção de um mundo mais justo e igualitário.
Segundo livro da série “As mulheres tem uma espécie de magia”, de Amanda Lovelace, “A bruxa não vai para a fogueira neste livro” conseguiu me marcar ainda mais do que o primeiro (inclusive, tem resenha dele aqui!). Já no início do livro, a autora alerta sobre os conteúdos pesados do livro: Abuso físico, abuso psicológico, estupro, violência, e diversas outras questões que estão presentes na vida de grande parte das mulheres. Mais do que isso, Amanda fala sobre luta, “vingança”, empatia e força – e esses aspectos, presentes em todos os livros dela, são o que me fazem amar a série. Eu precisaria escrever uma resenha de páginas para tentar expressar o quanto eu me apaixonei pelos poemas da Amanda, mas eu imagino que poucos teriam paciência de ler até o fim, então vou sintetizar esse sentimento dizendo apenas: “Leiam esse livro!!!”
O livro é dividido em 4 partes: “O julgamento”; “A queima”; A tempestade de fogo”; e “As cinzas”. “O julgamento” fala sobre como, ao longo da história, as mulheres foram julgadas, condenadas, mortas e queimadas apenas por serem mulheres. Mais do que isso, fala sobre o legado de força e resistência que foi deixado por nossas ancestrais, e que preparou o terreno para que as mulheres conseguissem travar as batalhas diárias que ocorrem hoje. Nessa parte do livro, Amanda mostra que as mulheres aprenderam a se defender, que não aceitarão mais caladas, e que elas se uniram para lutar contra um mundo que está constantemente contra elas.
“A queima” é uma parte bem pesada do livro, que fala bastante sobre estupro e violência. Amanda retrata um sentimento muito comum entre nós, mulheres, que é o medo de ser violada (fisicamente e psicologicamente). A autora desmistifica a ideia que se tem sobre o estupro ser algo cometido por um homem visivelmente cruel em uma mata escura, e escancara uma realidade muito comum, mas também muito negligenciada: um estuprador pode ser o pai, o irmão, o tio, o avô, o pastor, o namorado/marido… e isso faz com que seja ainda mais difícil para a vítima denunciar –ela sabe que as chances de acreditarem nela são ainda mais baixas.
“A tempestade de fogo” fala sobre a avalanche de imposições que é despejada em cima das mulheres antes mesmo de nascerem: ser magra, ser bonita, ser bem cuidada, ser educada, não falar palavrão, saber que sua função é agradar um homem, e se desculpar sempre, mesmo que você, mulher, não saiba o que possa ter feito de errado – spoiler: o seu único “erro” é ser mulher. Mas o livro também mostra que as mulheres têm recusado cada vez mais cumprir com essas obrigações: elas estão em um processo de libertação, com tochas nas mãos, prontas para “atear fogo” em quem tente impedi-las.
Finalmente, “As cinzas” mostram como as mortes, os gritos sufocados e o sangue de milhões de mulheres, fizeram com que a revolução finalmente começasse. Amanda sugere que essa revolução não será feita com uma vingança literal (com o sangue deles, com o grito deles), mas com a nossa própria dor. A autora pede e encoraja as mulheres que estão lendo seu livro a gritar o mais alto possível, a escrever os seus medos e suas dores, a contarem suas histórias e, principalmente, a apoiarem umas as outras.
Não posso dizer que esse livro é um daqueles que deixa o nosso coração quentinho, porque não é. Amanda escreve de forma bem agressiva, colocando para fora todo o sofrimento causado pelo fato de ela ser mulher. Os temas são abordados de forma crua, sem nenhum filtro que torne a situação mais atenuante para quem lê. Mas acredito que essa seja justamente a intenção desse livro: fazer com que a gente se sinta desconfortável a ponto de perceber a importância de lutar contra tudo o que as mulheres têm sofrido ao longo dos séculos. Inclusive, Amanda faz referência a mulheres que decidiram lutar também, como Emma Sulkowicz, Margaret Atwood (por meio de sua obra fenomenal, “O conto da Aia”), e as mais de 3,3 milhões de mulheres que se uniram na Marcha das Mulheres, em 2017. Mas além dessas mulheres, Amanda nos lembra: ela, as bruxas queimadas, as crianças e mulheres estupradas/ agredidas/ humilhadas, eu e você (mulher que está lendo essa resenha) estamos todas juntas, umas pelas outras – e isso é lindo demais.
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