Sinopse Suma: Aos dezessete anos de idade, Charlie Reade parece ser um garoto comum: pratica esportes, é um filho atencioso e aluno de desempenho razoável. Suas lembranças, entretanto, não são feitas apenas de momentos felizes. Após perder a mãe em um grave acidente quando tinha apenas dez anos, Charlie precisou aprender a cuidar de si e do pai, que, enlutado com a perda da esposa, buscou refúgio na bebida. Certo dia, ao pedalar pela rua de casa, Charlie atende um pedido de socorro vindo do quintal de um dos vizinhos: Howard Bowditch. O homem recluso e rabugento, que amedrontava as crianças do bairro, cai de uma escada e se machuca gravemente. O chamado por ajuda veio de Radar, a fiel pastor alemão, tão idosa quanto seu dono. Enquanto Bowditch se recupera, Charlie passa a ajudar o vizinho com tarefas domésticas e com o cuidado de Radar, e assim o rapaz faz duas grandes amizades. Quando Howard morre, Charlie se depara com uma fita cassete que revela um segredo inimaginável: um portal para outro mundo. (Resenha: Conto de Fadas – Stephen King)
Opinião: Em suas obras mais recentes, Stephen King deixou um pouco de lado o terror que fez dele o mestre do gênero no mundo e se embrenhou em diferentes caminhos seja do suspense ou da fantasia. Mas seu vigor enquanto um bom contador de histórias, que sabe envolver os leitores em mínimas descrições e ambientações, permanece tão forte quanto em obras do início de sua carreira como A Dança da Morte ou O Iluminado, isso só para citar dois grandes calhamaços que têm no terror seu principal combustível.
Conto de Fadas é claramente uma fantasia que homenageia grandes obras do gênero e vamos encontrar referências a todo momento ao longo da narrativa. Algumas imperceptíveis, mas se vocês lerem com bastante atenção vão identificar pequenas passagens, detalhes de nomes ou cenários e, claro, ligações com outras obras de King como já é costume em seus livros. E logo na abertura, a dedicatória é para um trio de peso: REH, ERB e HPL, notadamente Robert E. Howard (autor de Conan, o Bárbaro), Edgar Rice Burroughs (autor de Tarzan), e H.P. Lovecraft (que dispensa apresentações). Amigo de King, Ray Bradbury também aparece em citações e referências.
Em resumo, e pra começo de conversa, Conto de Fadas é um livro que tem muito de homenagem e referência a pesos pesados da literatura fantástica e de aventura. É uma fantasia com boas pitadas de drama e romance.
“O TEMPO É A ÁGUA, CHARLIE. A VIDA É SÓ A PONTE EMBAIXO DA QUAL ELE PASSA.”
O livro se divide em duas partes bem distintas e que têm características totalmente opostas. Inicialmente, nos vemos diante de um grande drama contado de forma a aquecer os corações. A relação de Charlie, um garoto, com o misterioso e recluso idoso, Howard, e sua cadela, Radar. Aqui, há muito de amizade, respeito, construção de relações e a interação entre a juventude e a terceira idade. Fortes laços de amizade, aliás, são uma característica marcante em diversas obras de SK e ele sabe muito bem construir e fortalecer esses laços através dos caminhos e descaminhos da vida. É tudo muito real e palpável.
Num segundo momento, Charlie é levado para o mundo fantástico, através de um buraco que pode, ou não, lembrar Alice (quem sabe?) e o drama cede espaço para um reino em ruínas em que a tradicional batalha de bem versus mal vai se desenrolar. Aqui, a galeria de personagens é extensa e embarcamos em uma aventura na busca de retomar o controle do reino e derrotar as forças que o usurparam. A história fica mais detalhada e em vários momentos perde um pouco do seu vigor.
Conto de Fadas reúne uma miscelânea de elementos que já esbarramos em dezenas de outras obras de Stephen King. Não é repetitivo, mas é bastante conhecido de seus leitores fiéis. Nada aqui passa muito longe de aventuras como O Talismã, Os Olhos do Dragão ou partes de A Torre Negra. É familiar demais e ecoa alguns dos bons momentos de sua carreira. Mas há qualidade na construção de uma trama em que as relações de lealdade, sentimento familiar, honestidade, preocupação com o outro etc. se escondem tão bem por trás de um reino fantástico em que a ganância trouxe o cinza e escondeu o azul do céu.
Em uma obra que foi escrita praticamente no período em que o mundo vivia o pesadelo da covid-19, Conto de Fadas pode ser visto, a partir de suas entrelinhas, como uma ode aos sentimentos mais humanos e fraternos que possam existir. Há muito de comovente nas atitudes, na postura e no crescimento do protagonista Charlie. Um garoto que está bem longe de ser o mocinho ideal. Pelo contrário, ele fica remoendo em vários momentos suas atitudes mais reprováveis, ele faz promessas de ser alguém melhor, ele desenvolve uma relação com seu pai que mexe com a gente.
E quando Charlie encontra Howard. Quando há um choque de gerações e um idoso passa a ser entendido por um jovem. Tudo isso coroado por uma simpática e maravilhosa personagem canina, talvez estejamos diante de algumas dessas muitas entrelinhas que a obra esconde. Isso sem falar na diversidade de personagens das terras de Empis.
Conto de Fadas não inventa a roda nem traz nenhuma grande reviravolta narrativa que deixe leitores boquiabertos ou sem fôlego. Misto de fantasia com drama, é o tipo de livro que dá prazer em ler e reforça, em muitos de nós, o sentimento de porque gostamos tanto de boas histórias.
É um conto de um garoto que ao conhecer um misterioso senhor ganha um passaporte para um reino de mistérios, sonhos e perigos. É uma fábula de amizade, respeito, crescimento e amor. É Stephen King aquecendo nossos corações com uma história que comove e traz nostalgia.
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